"DOIS"


DANIEL NA COVA DOS LEÕES
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo/Renato Rocha

Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo:
De amargo então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento

Fez casa nos meus braços e ainda leve
E forte e cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.

Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.

E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão:
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E sei que tua correnteza não tem direção.

[solo]

Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
A motor e insistir em usar os remos,
É o mal que a água faz quando se afoga
E o salva-vidas não esta lá porque não vemos.



QUASE SEM QUERER
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha

Tenho andado distraído,
Impaciente e indeciso
E ainda estou confuso.
Isso que agora é diferente:
Estou tão tranqüilo
E tão contente.

Quantas chances desperdicei
Quando o que eu mais queria
Era provar pra todo o mundo
Que eu não precisava
Provar nada pra ninguém.

Me fiz em mil pedaços
Pra você juntar
E queria sempre achar
Explicação pro que eu sentia.
Como um anjo caído
Fiz questão de esquecer
Que mentir pra si mesmo
É sempre a pior mentira.

Mas não sou mais
Tão criança a ponto de saber
Tudo.

Já não me preocupo
Se eu não sei porquê
+s vezes o que eu vejo
Quase ninguém vê

E eu sei que você sabe 
Quase sem querer
Que eu vejo o mesmo que você.

Tão correto e tão bonito:
O infinito é realmente
Um dos deuses mais lindos.
Sei que às vezes uso
Palavras repetidas
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?

Me disseram que você estava chorando
E foi então que percebi
Como lhe quero tanto.

Já não me preocupo
Se eu não sei porquê
Às vezes o que eu vejo
Quase ninguém vê

E eu sei que você sabe
Quase sem querer
Que eu quero o mesmo que você.


ACRYLIC ON CANVAS
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/ Marcelo Bonfá 

É saudade, então
E mais uma vez
De você fiz o desenho 
Mais perfeito que se fez

Os traços copiei
Do que não aconteceu
As cores que escolhi
Dentre as tintas que inventei

Misturei com a promessa
Que nós dois nunca fizemos
De um dia sermos três

Trabalhei você
Em luz e sombra

E era sempre:
"-Não foi por mal.
  -Eu juro que nunca quis deixar você tão triste"

Sempre as mesmas "disculpas"
E desculpas nem sempre são sinceras
Quase nunca são.

Preparei a minha tela
Com pedaços de lençóis
Que não chegamos a sujar

A armação fiz com madeira
Da janela do seu quarto
Do portão da sua casa
Fiz paleta e cavalete

E com as lágrimas que não brincaram com você
Destilei óleo de linhaça
E da sua cama arranquei pedaços
Que talhei em estiletes de tamanhos diferentes
E fiz então, pincéis com seus cabelos

Fiz carvão do batom que roubei de você
E com ele marquei dois pontos de fuga
E rabisquei meu horizonte.

E era sempre:
"-Não foi por mal.
  -Eu juro que não foi por mal, eu não queria machucar você.
Prometo que isso não vai acontecer mais uma vez"

E era sempre, sempre o mesmo novamente
A mesma traição

Às vezes é difícil esquecer:
"-Sinto muito, ela não mora mais aqui".

Mas então porque eu finjo
Que acredito no que invento
Nada disso aconteceu assim
Não foi desse jeito.

Ninguém sofreu
E é só você
Que provoca essa saudade vazia
Tentando pintar essas flores com o nome
De Amor-Perfeito e Não-Te-Esqueças-De-Mim.

	
EDUARDO E MÔNICA
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo

Quem um dia ira dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo coração?
E quem ira dizer
Que não existe razão?

Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar:
Ficou deitado e viu que horas eram
Enquanto Mônica tomava um conhaque,
Noutro canto da cidade,
Como eles disseram.

Eduardo e mônica um dia se encontraram sem querer
E conversaram muito mesmo pra tentar se conhecer.
Foi um carinha do cursinho do Eduardo que disse:
"- Tem uma festa legal e a gente quer se divertir."

Festa estranha, com gente esquisita:
"- Eu não estou legal. Não agüento mais birita."
E a mônica riu e quis saber um pouco mais
Sobre o boyzinho que tentava impressionar

E o Eduardo, meio tonto, isso pensava em ir pra casa:
"- É quase duas, eu vou me ferrar."

Eduardo e mônica trocaram telefone
Depois telefonaram e decidiram se encontrar.
O Eduardo sugeriu uma lanchonete
Mas a mônica queria ver o filme do Godard.

Se encontraram então no parque da cidade
A mônica de moto e o Eduardo de camelo.
O Eduardo achou estranho e melhor não comentar
Mas a menina tinha tinta no cabelo.

Eduardo e mônica eram nada parecidos 
Ela era de Leão e ele tinha dezesseis.
Ela fazia Medicina e falava alemão
E ele ainda nas aulinhas de inglês.

Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus,
De Van Gogh e dos Mutantes,
De Caetano e de Rimbaud
E o Eduardo gostava de novela
E jogava futebol-de-botão com a seu avô.

Ela falava coisas sobre o Planalto Central,
Também magia e meditação.
E o Eduardo ainda estava 
No esquema "escola-cinema-clube-televisão."

E, mesmo com tudo diferente,
Veio mesmo, de repente,
Uma vontade de se ver
E os dois se encontravam todo dia
E a vontade crescia,
Como tinha de ser.

Eduardo e mônica fizeram natação, fotografia,
Teatro e artesanato e foram viajar.
A mônica explicava pro Eduardo
Coisas sobre o céu, a terra, a água e o ar:
Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer
E decidiu trabalhar;

E ela se formou no mesmo mês
Em que ele passou no vestibular.
E os dois comemoraram juntos
E também brigaram juntos, muitas vezes depois.
E todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa,
Que nem feijão com arroz.

Construíram uma casa uns dois anos atrás
Mais ou menos quando os gêmeos vieram
Batalharam grana e seguraram legal 
A barra mais pesada que tiveram.

Eduardo e mônica voltaram pra Brasília
E a nossa amizade da saudade no verão.
Só que nessas férias não vão viajar
Porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação.

E quem um dia ira dizer
Que existe razão
Nas coisas feitas pelo o coração?
E quem ira dizer
Que não existe razão?


CENTRAL DO BRASIL (Instrumental)
Música: Renato Russo


TEMPO PERDIDO
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo

Todos os dias quando acordo,
Não tenho mais o tempo que passou
Mas tenho muito tempo
Temos todo o tempo do mundo.

Todos os dias antes de dormir,
Lembro e esqueço como foi o dia:
"Sempre em frente,
Não temos tempo a perder."

Nosso suor sagrado
É bem mais belo que esse sangue amargo
E tão sério
E selvagem.

Veja o sol dessa manha tão cinza:
A tempestade que chega é da cor dos teus olhos castanhos.
Então me abraça forte e me diz mais uma vez
Que já estamos distantes de tudo:

Temos nosso próprio tempo.

Não tenho medo do escuro, mas deixe as luzes acesas agora.
O que foi escondido é o que se escondeu
E o que foi prometido, ninguém prometeu.
Nem foi tempo perdido.

Somos tão jovens.



METRÓPOLE
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/ Marcelo Bonfá 

"É sangue mesmo, não é mertiolate."
E todos querem ver
E comentar a novidade.

"É  tão emocionante um acidente de verdade."
Estão todos satisfeitos
Com o sucesso do desastre:

"-Vai passar na televisão."

"Por gentileza, aguarde um momento.
Sem carteirinha, não tem atendimento 
Carteira de trabalho assinada, sim senhor.
Olha o tumulto: façam fila por favor."

"-Todos com a documentação"

"-Quem não tem senha, não tem lugar marcado.
Eu sinto muito, mas já passa do horário.
Entendo seu problema mas não posso resolver:
É contra o regulamento, esta bem aqui, pode ver."

Ordens são ordens.

"-Em todo caso já temos sua ficha.
Só falta o recibo comprovando residência.
P'ra limpar todo esse sangue, chamei a faxineira 
E agora eu já vou indo senão eu perco a novela

E eu não quero ficar na mão."



PLANTAS DEBAIXO DO AQUÁRIO
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Renato Rocha/ Marcelo Bonfá

Sente o desafio e provoque um desempate:
Desarme a armadilha e desmonte o disfarce.
Se afaste do abismo 
Faça do bom-senso a nova ordem.

Não deixe a guerra começar.

[diálogos em francês e inglês]

Pense isso um pouco,
Não há nada de novo.
Você vive insatisfeito e não confia em ninguém
E não acredita em nada
E agora é isso cansaço e falta de vontade,
Mas, faça do bom-senso a nova ordem:

Não deixe a guerra começar.


MÚSICA URBANA II
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo

Em cima dos telhados as antenas de TV tocam música urbana
Nas ruas os mendigos com esparadrapos podres
Cantam música urbana.

Motocicletas querendo atenção às três da manha 
É só música urbana.

Os PM's armados e as tropas de choque vomitam música urbana
E nas escolas as crianças aprendem a repetir a música urbana.
Nos bares os viciados sempre tentam conseguir a música urbana.

O vento forte seco e sujo em cantos de concreto
Parece música urbana
E a matilha de crianças sujas no meio da rua 
Música urbana.

E nos pontos de ônibus estão todos ali: música urbana

Os uniformes, os cartazes
Cinemas e os lares
Favelas, coberturas
Quase todos os lugares.

E mais uma criança nasceu.

Não há mentiras nem verdades aqui
Só há música urbana.

Yeah, música urbana




ANDRÉA DÓRIA
Letra: Renato Russo
Música: Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá

Às vezes parecia que, de tanto acreditar
Em tudo que achávamos tão certo,
Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais:
Faríamos floresta do deserto
E diamantes de pedaços de vidro.

Mas percebo agora
Que o teu sorriso
Vem diferente,
Quase parecendo te ferir.

Não queria te ver assim 
Quero a tua força como era antes.
O que tens é isso teu
E de nada vale fugir
E não sentir mais nada.

Às vezes parecia que era só improvisar
E o mundo então seria um livro aberto,
Até chegar o dia em que tentamos ter demais,
Vendendo fácil o que não tinha preço.

Eu sei - é tudo sem sentido.
Quero ter alguém com quem conversar,
Alguém que depois não use o que eu disse
Contra mim.

Nada mais vai me ferir.
É que eu já me acostumei
Com a estrada errada que segui
E com a minha própria lei.

Tenho o que ficou
E tenho sorte até demais,
Como sei que tens também.


FÁBRICA
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo

Nosso dia vai chegar
Teremos nossa vez.
Não é pedir demais:
Quero justiça,

Quero trabalhar em paz.
Não é muito o que eu lhe peço
Eu quero trabalho honesto
Em vez de escravidão.

Deve haver algum lugar
Onde o mais forte 
Não consegue escravizar
Quem não tem chance.

De onde vem a indiferença
Temperada a ferro e fogo?
Quem guarda os portões da fabrica?

O céu já foi azul, mas agora é cinza
E o que era verde aqui já não existe mais.
Quem me dera acreditar
Que não acontece nada de tanto brincar com fogo.
Que venha o fogo então.

[solo]

Esse ar deixou minha vista cansada,
Nada demais.


"ÍNDIOS"
Letra: Renato Russo
Música: Renato Russo

Quem me dera, ao menos uma vez
Ter de volta todo o ouro que entreguei
A quem conseguiu me convencer
Que era prova de amizade
Se alguém levasse embora até o que eu não tinha.

Quem me dera, ao menos uma vez,
Esquecer que acreditei que era por brincadeira
Que se cortava sempre um pano-de-chão
De linho nobre e pura seda.

Quem me dera, ao menos uma vez, 
Explicar o que ninguém consegue entender:
Que o que aconteceu ainda esta por vir
E o futuro não é mais como era antigamente.

Quem me dera, ao menos uma vez,
Provar que quem tem mais do que precisa ter
Quase sempre se convence que não tem o bastante
E fala demais, por não ter nada a dizer

Quem me dera, ao menos uma vez,
Que o mais simples fosse visto como o mais importante,
Mas nos deram espelhos
E vimos uma mundo doente.

Quem me dera, ao menos uma vez,
Entender como isso Deus ao mesmo tempo é três
E esse mesmo Deus foi morto por vocês
É isso maldade então, deixar um Deus tão triste.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho.
Entenda - assim pude trazer você de volta para mim,
Quando descobri que é sempre isso você
Que me entende do início ao fim
E é isso você que tem a cura do meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Quem me dera, ao menos  uma vez,
Acreditar por um instante em tudo que existe
E acreditar que o mundo é perfeito
E que todas as pessoas são felizes.

Quem me dera, ao menos uma vez,
Fazer com que o mundo saiba que seu nome
Esta em tudo e mesmo assim
Ninguém lhe diz ao menos obrigado.

Quem me dera, ao menos uma vez,
Como a mais bela tribo, dos mais belos índios,
Não ser atacado por ser inocente.

Eu quis o perigo e até sangrei sozinho,
Entenda - assim pude trazer você de volta para mim
Quando descobri que é sempre isso você
Que me entende do início ao fim
E é isso você que tem a cura do meu vício
De insistir nessa saudade que eu sinto
De tudo que eu ainda não vi.

Nos deram espelhos e vimos um mundo doente

Tentei chorar e não consegui.


Dado Villa-Lobos: Guitarras, Vocais 
Renato Russo: Violões, Voz, Teclados
Renato Rocha: Baixo, Vocais
Marcelo Bonfá: Bateria, Percussão, Vocais